terça-feira, 9 de junho de 2020

Plasticidade cerebral e aprendizagem

A pluralidade de caraterísticas que determinam o ser humano faz com que este se distinga de todos os outros animais. 
Podemos afirmar que, de todos os órgãos que constituem o corpo humano, o cérebro destaca-se pelo alargado conjunto de funções que domina e coordena. Graças a ele podemos sentir e processar toda a informação que chega ao nosso corpo através dos sentidos, além de que, todas as ideias e pensamentos que "trituramos" nascem dele.

"Esta estrutura maravilhosa é a fonte de todo o comportamento humano, controlando ao mesmo tempo uma miríade de funções incrivelmente complexas"

Wolfe, Patrícia


A anatomia do cérebro diverge de pessoa para pessoa



O cérebro e a capacidade de adaptação a autonomia do ser humano

Preliminar mente, julgava-se que a organização cerebral e o funcionamento do sistema nervoso eram definidos geneticamente, isto é, o homem teria um programa predeterminado que definia a sua estrutura e as funções das várias áreas. A estabilidade das suas conexões, consideradas imutáveis, era o que o caraterizavam.
Todos os cérebros têm o mesmo espetro de conexões
Legitimavam, igualmente, que o cérebro era o órgão que atingia o auge da sua capacidade e força ao fim da puberdade e que estaria condenado a degradar-se progressivamente à medida que a idade avançava. 
Mas o nosso cérebro é muito mais estático do que se pensava antigamente. O cérebro humano atual resulta de uma evolução de milhões de anos , e o seu desenvolvimento, apesar de ser programado geneticamente, é bastante persuadido pelo meio, ou seja, pelas experiências
Estas possibilitam a aprendizagem de comportamentos e de processos mentais. Ou seja, a relação que o Homem estabelece com o meio produz modificações no sentido de uma adaptação cada vez mais eficaz. 

"As experiências espirituais são muito diversificadas e incluem processos cognitivos, emocionais, de perceção e de comportamento. Dependendo do tipo de experiências, nós vemos diferentes maneiras no modo como cérebro responde"

Adrew Newberg



Rede Neural Artificial


São nos primeiros anos de vida que sucedem, principalmente, estas modificações, quando o córtex está a organizar-se e cresce de uma forma acelerada. Contudo, este processo decorre ao longo da vida. Assim, o nosso cérebro está longe de ser considerado um computador pronto e inalterável durante toda a nossa vida. Longe disso, aprender a andar, aprender a falar, a escrever, a interagirmos com o próximo e a construirmos uma ideia sobre nós próprios e sobre o mundo em que vivemos, tornam-nos diferentes, especiais, e isso reflete-se na nossa rede neural.

PORQUÊ?

Tudo isto acontece devido, apenas, a uma razão. E é bastante simples de explicar. O cérebro humano desenvolve-se muito mais lentamente quando comparado com o dos outros mamíferos. Nós, seres humanos, nascemos com um cérebro inacabado, que pode ser vantajoso, por um lado, mas prejudicial por outro. 

Vantagem: Maior capacidade de aprendizagem através das experiências.

Desvantagem: Caso não sejamos estimulados na infância, a aprendizagem será mais complicada e mais difícil na fase adulta.


Cérebro Humano e o de outros mamíferos


Através desta maleabilidade que carateriza o cérebro, esta capacidade de se modificar, foi possível chegar ao conceito de plasticidade cerebral

A plasticidade do cérebro significa que ele é feito de plástico?
Claro que não!

A plasticidade cerebral é a capacidade do cérebro se remodelar em função das experiências e da aprendizagem do sujeito (plasticidade desenvolvimental), e serve como um mecanismo adaptativo de compensação pela perda de um função e/ou como forma de maximizar funções que permanecem intactas após uma lesão cerebral (mecanismo de suplência). 

Plasticidade Desenvolvimental: Esta ocorre durante o desenvolvimento cerebral normal, quando o cérebro não maturado, ou seja, de uma criança, começa a organizar a informação proveniente dos sentidos, até ao período adulto. Dá-se todo este processo quando adquirimos algo novo ou vivenciamos novas experiências. 

Mecanismo de suplência/ função vicariante: É um processo que, após um zona do cérebro ser danificada causada por uma lesão ou doença, outros neurónios, geralmente "vizinhos" dessa zona, adaptam-se para exercer as funções da mesma. Nem sempre é possível recuperar essas funções na sua totalidade, quando isso acontece o cérebro pode aprimorar funções mantidas.  Vários exemplos, de diferentes pessoas, corroboram esta afirmação. 


O caso de Sam Schmid

Em 2011, Sam Schmid sofreu um acidente de carro, o seu veículo colidiu com um posto de luz e captou. Pelo facto de este ter  imensas fraturas e lesões cerebrais, foi levado de helicóptero para o hospital. 
Sam Schmid
O seu estado era grave, a sua vida estava  a ser mantida com a ajuda de aparelhos, e um cirurgia que foi realizada para retirar um coágulo cerebral provocou-lhe um AVC. O neurocirurgião que o operou ficou bastante preocupado com a falta de resposta dele após a cirurgia, uma vez que as ressonâncias não indicavam nenhuma lesão fatal. Posto isto, o médico decidiu mantê-lo em suporte de vida por um tempo maior. 
Mais tarde, o médico solicitou um novo exame de ressonância magnética e, surpreendentemente, o exame mostrou que ele tinha melhorado e, naquele mesmo dia, começou a responder a estímulos e a perceber as coisas que o rodeavam. 
Passado dois meses, Sam já conseguia caminhar, com ajuda, e foi capaz de falar quase normalmente, mas este não se lembrava do acidente que quase lhe tirou a vida. 



O caso da mulher de 24 anos 

O cérebro com cerebelo e sem cerebelo
Em 2014, a revista New Scientist expôs um caso intrigante. Ao realizar testes médicos, uma mulher de 24 anos descobriu que vive, desde que nasceu, sem cerebelo. Ainda assim, esta rapariga leva uma vida relativamente normal e os problemas que enfrenta são pouco significativos em relação ao que seria de esperar nessa condição. Tudo indica que o córtex desta mulher terá assumido as funções da estrutura em falta. Essa descoberta entusiasmou a comunidade científica, uma vez que o caso abre novas perspetivas sobre a plasticidade cerebral e a capacidade do sistema nervoso central para se adaptar e reorganizar.  



Efeito da idade na plasticidade cerebral

Apesar do cérebro ter a capacidade de se reorganizar durante toda a vida, a plasticidade diminui com a idade, e esta diminuição pode ser produzida pela diminuição da densidade sináptica. Por exemplo, as crianças que são submetidas à remoção total de um dos hemisférios cerebrais, que provoca a paralisação de um dos lados do corpo (hemisferectomia radical), terminam, geralmente, por recuperar quase todo o movimento do lado que foi afetado, visto que o hemisfério restante assume as funções do hemisfério removido/desconectado. 



A situação de Gennie

Gennie foi sequestrada pelo seu próprio pai durante 13 anos e não falava. Através de testes neurológicos descobriu-se que o hemisfério esquerdo do cérebro desta menina, que controlava a linguagem, não estava tão desenvolvido. 
Isso resultou da ausência de estimulação para a aquisição da linguagem no momento adequado, o que impediu o seu cérebro de desenvolver as estruturas próprias para a linguagem. De seguida, Genie foi submetida a um treino específico, que lhe desenvolveu muito lentamente a linguagem, mas ainda assim só utilizava formas elementares de comunicação verbal.

Diferenças entre o hemisfério esquerdo e o hemisfério direito


As investigações sobre esta teoria

Várias experiências foram realizadas para demonstrar a plasticidade cerebral, mas a que evidenciou um maior destaque e corrobora, perfeitamente, esta afirmação foram os estudos sobre cegos adultos. A experiência consistia na aprendizagem do Braille e, através desta atividade, o neurologista e investigador Álvaro Pascual-Leone e a sua equipa verificaram o efeito produzido no cérebro. Uma vez que a leitura em Braille exige uma grande sensibilidade, conclui-se que a região do córtex somatossensorial lateral aumenta significativamente de volume, pois cada letra é representada por um conjunto de pontos em relevo, ou seja, o volume desta região deve-se aos movimentos do dedo quando passa pelas letras. Esta averiguação veio comprovar a neuroadaptabilidade do cérebro.
É este caráter plástico do cérebro humano que o disponibiliza para a aprendizagem ao longo da vida. 

"O sistema mantém muito tempo, provavelmente ao longo de toda a vida, capacidades muito grandes de plasticidade"

Prochiantz, A.,op.cit.,pp.88-89



Resumo/ Esquema síntese

A interação com os outros e com o mundo em geral transforma continuamente o nosso cérebro. Esta reorganização permanente tem como base uma importante capacidade do cérebro, a plasticidade
A plasticidade ocorre naturalmente em consequência das novas experiências e da aprendizagem ou como um mecanismo adaptativo de compensação de funções perdidas ou de maximização de funções mantidas em caso de lesão cerebral. Ou seja, durante o desenvolvimento do cérebro , depois de uma lesão ou consequência de uma nova experiência, o cérebro transforma-se e reorganiza-se continuamente. 
Esta plasticidade cerebral, embora seja uma capacidade presente ao longo da vida, tende a diminuir gradualmente com o avanço da idade.
Posto isto, podemos afirmar que o nosso cérebro é muito mais complexo do que aquilo que imaginávamos. 

Esquema síntese sobre Plasticidade cerebral


Curiosidades

O nosso cérebro pesa 1,4 kg, e  usa 25% do oxigénio que utilizamos para a respiração.
O nosso cérebro conserva:
  • 10% do que lê;
  • 20% do que escreve;
  • 30% do que vê;
  • 50% do que vê e ouve;
  • 70% do que ouve e debate;
  • 90% do que ouve e pratica.
Por exemplo, nós não conseguimos fazer cócegas em nós próprios, pois o cérebro prevê os nosso movimentos.
Outra curiosidade, é o facto de, pessoas que comem comidas sem conservantes ou artificiais, têm um QI 14% mais elevado.


Beatriz Pereira
Nº 8







                                          























2 comentários:

  1. Olá Bia, o teu trabalho está muito bem elaborado! Contudo, há pormenores que fico reticente e gostava de saber mais. Quando dizes que o cérebro humano é mais estático do que aquilo que se pensava antigamente, não quererás dizer o oposto? Afinal de contas o cérebro humano é tudo menos estático, é mais que dinâmico, está em constante adaptação e aprendizagem, devido à sua plasticidade cerebral e à absorção de toda a informação que retém do meio que o envolve, sendo de uma enorme maleabilidade, tal como referiste. Sendo assim, acho que pode haver um pequeno lapso quando fazes essa contradição.
    Em relação aos casos que apresentaste achei-os muito interessantes! Em relação a um deles, o da senhora de 24 anos, o cerebelo faz parte do encéfalo e é composto por dois hemisférios cercando uma parte central chamada de vermis. É um centro nervoso que possui o papel de regular as funções motoras. Ele coordena os movimentos e o equilíbrio. Quando há problemas no cerebelo, falamos de uma síndrome cerebelar. Visto que a senhora não possui essa parte do cérebro, e fazia uma vida dita "normal", poderemos dizer que não é uma parte imprescindível ao ser humano? A senhora não apresentava nenhum desequilíbrio motor desregulado pela ausência do cerebelo e eventualmente da vermis? Em relação ao caso só Sam, fiquei curiosa por saber se após a sua recuperação inesperada, e adaptação, apenas ficou sem a memória do momento exato do acidente, ou se de facto ficou com a memória "apagada" até ao momento do acidente? Houve danificação da memória a longo prazo ou poderá ter sido uma necessidade do subconsciente em "apagar" o trauma?
    Assim sendo, obrigada pelo trabalho Bia, está bem abordado o teu tema. :)

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  2. Boa tarde Bia!! Após uma atenta interpretação do teu trabalho, confesso que está bastante completo, pertinente e, sobretudo, interessante. Considero que a forma como abordaste o teu tema foi muito claro, o que me ajudou a perceber melhor o conceito de plasticidade cerebral. Percebi que a plasticidade cerebral não é apenas relevante em caso de lesões cerebrais, uma vez que ela está continuamente ativa, modificando o cérebro a cada momento. Os mecanismos através dos quais ocorrem os fenómenos de plasticidade cerebral podem incluir modificações neuroquímicas, sinápticas, do recetor neuronal, da membrana e ainda modificações de outras estruturas neuronais.
    Relativamente aos exemplos propostos para uma melhor explicação do tema, considero muito interassante o caso de Sam Schmid, dado a grande adaptação do cérebro em conseguir reagir a diversas situações da vida, por mais difíceis e duras que sejam, neste caso, um acidente que quase lhe tirou a vida. Muito interessante!!!
    Outro caso que me chamou deveras a atenção foi de uma mulher de 24 anos, que viveu grade parte da sua vida sem uma parte do cérebro, o cerebelo, parte responsável pela manutenção do equilíbrio, pelo controlo do tónus muscular, dos movimentos involuntários e aprendizagem motora. Dependemos do cerebelo para andar, correr, saltar, andar de bicicleta, entre outras atividades. Reflito sobre vários acasos da vida, e este foi um deles...
    Por fim, não acrescentaria nada ao trabalho, uma vez que este mostra, claramente, a tua envolvência do tema!! :)

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